Olímpio

Semana passada, eu conheci Olímpio quando fui de Magé para a Central de trem. Com Olímpio (e depois sem ele) eu vi coisas bem interessantes do subúrbio e do cotidiano das viagens de trem. Ou imaginei? Deixa eu contar e você decide entre a veracidade dos fatos ou a imaginação do conto.

Primeiro é bom esclarecer umas coisas.

Na verdade, não sei se o nome dele era Olímpio. Talvez não fosse. Mas pensei que poderia.

Negro, grisalho, magro, alto e com estilo de sambistas da antiga, eu achei que ele parecia com meu avô Olímpio. Por isso lhe dei esse nome.

Pra ser sincero também não o conheci por assim dizer.

Eu o notei depois de fazer a transferência correndo, em vão, pra pegar um lugar pra sentar no trem de Saracuruna pro Rio.

Entrei no trem esbaforido e fiquei em pé perto da porta.

Do lado ele se sentava com o queixo erguido, braços cruzados e um olhar sereno focado na janela do outro lado do corredor.

Foi essa postura majestosa que me chamou atenção em Olímpio. Que classe ele tinha.

Um rapaz em pé na frente de Olímpio despejava indiretas para os que sentavam. “Eu tenho 48 anos”, e ria. “As pessoas mais novas deveriam ter consciência”, e ria esperando que alguém se levantasse.

Olhou para Olímpio. “Veja você. Eu tenho 48 anos. Você não concorda que os mais novos devem se levantar?”, ele provocou. Achei que ele esperasse que Olímpio se levantasse.

“Eu tenho 60”, Olímpio respondeu na sua juventude aparente e seriedade de rei. Eu ri. O cara chato se calou.

Ali Olímpio ganhou a companhia dos meus olhos pro resto da viagem.

Na estação de Duque de Caxias, o trem já estava lotado. Eu já estava espremido, mas tinha o privilégio de conseguir segurar com as duas mãos. Outros nem alcançavam alguma barra.

Foi quando percebi Olímpio olhando preocupado pela janela. Seus olhos acompanhavam um passageiro que entrava no trem. Se levantou. “Ei! Ei!”, chamou. Muitos olharam.

Ele apontou para uma menina com um bebê no colo. Com os braços ele suavemente empurrou outros passageiros pra abrir caminho. Ela passou e sentou.

Sorri orgulhoso ao ver um homem de 60 anos se levantar para a menina (outros mais novos sentados fingiam que dormiam para não dar o lugar).

Mais tarde, entre as estações de Parada de Lucas e Vigário Geral, um burburinho foi ouvido vindo do outro lado do vagão.

Entre os braços esticados e as mãos apoiadas no teto, eu vi que duas mulheres estavam brigando. Parece que uma tomou o lugar da outra.

O vagão sonolento despertou e vibrou como vibrávamos com qualquer briga na escola. “Mata!”, “Segurem as penas!”, mulheres e homens crescidos gritavam. E riam.

Procurei Olímpio.

Ele estava no corredor se segurando na ponta dos dedos ainda com seu queixo erguido, olhando para o outro lado. Não parecia querer participar do circo formado.

Fazer a viagem com Olímpio me fazia bem. Não trocamos palavras. Mas vê-lo me acalmava do mesmo jeito que acontecia quando via meu avô.

Mas em Bonsucesso ele saiu. Fiquei triste, mas entendo que em determinados momentos devemos seguir nossos próprios caminhos.

Logo depois, porém, pensei que de repente foi bom ele ter saído.

Do lado onde ele estava antes de sair alguém gritou: “quem foi o filho da puta que peidou aqui!?!” Todos riram. Eu ri porque me divirto com essas paradas.

Mas imaginei que eu ficaria desconfortável ao ver Olímpio passando por isso. De repente ele teria rido de canto de boca sem perder a pose e nem a piada, mas sei lá.

No fim das contas, o mau cheiro parece ter sido outro. “Peido nada, menino. É o rio ali do lado”, explicou uma mulher depois que passamos por Manguinhos.

Pensei em que tipo de pensamento Olímpio tinha sobre a poluição visível nos subúrbios. Ao olhar a janela, também fiquei pensando no que ele achava sobre as ruínas das casas de famílias removidas de Manguinhos e das obras lentas das estação do Maracanã.

Foi aí que percebi que o homem desconhecido era muito mais uma construção minha do que uma pessoa. Um amigo imaginário apesar de real. Uma representação de minhas memórias do meu avô morto.

Ainda assim, cheguei à Central com Olímpio na cabeça. Comprei um chocolate quente e me sentei em um dos bancos da plataforma para garantir no caderno que não esquece-lo antes de ter a chance de apresenta-lo neste conto da vida real.