(texto escrito originalmente em Julho de 2013)
Durante as manifestações no Brasil, muitos disseram que o gigante – o povo brasileiro – tinha finalmente acordado. Enquanto é verdade que muitos jovens especialmente de boa qualidade de vida têm sido mais ativos como cidadãos nas últimas semanas do que antes, a mobilização das populações de baixa-renda continua como um grande desafio.
Este desafio é muito familiar para atores da sociedade civil das favelas que há anos estão engajados em diferentes redes de movimentos sociais. Um exemplo atual da dificuldade de mobilizar pessoas de baixa-renda é evidente na luta contra os impactos dos mega-eventos nas favelas do Rio de Janeiro.
As preparações para a Copa do Mundo (2014) e os Jogos Olímpicos (2016) estão sendo marcadas por violações dos direitos humanos. Os casos de remoção são os exemplos mais conhecidos. A relocação de pobres para a construção de estradas e dependências esportivas tem sido muito arbitrária. Alguns problemas incluem ameaças e truculência antes das remoções.
A situação é absurda, mas não é nova. Por volta de 1900, o centro do Rio teve sua pobreza varrida para a construção de uma “Paris Tropical.” Nas décadas de 1960 e 1970, favelas inteiras foram removidas para a construção de prédios residenciais de luxo.
Hoje, o Rio varre sua pobreza em benefício dos mercados imobiliários e de turismo. Quando remoções não são possíveis, as UPPs (unidades de polícia pacificadora) são instaladas para manter vigilância em favelas próximas à atrações turísticas e às principais vias de acesso à cidade.
A arbitrariedade do processo olímpico tem motivado vários atores da sociedade civil a juntar forças.
Nas favelas, associações de moradores, ONGs e coletivos de jovens têm tentado tanto gerar conhecimento quanto mobilizar moradores contra as remoções e a violência policial. Fora das favelas, estes atores têm criado parcerias com ONGs nacionais e internacionais, grupos ativistas, acadêmicos e estudantes universitários.
A Internet tem sido uma ferramenta importante. Alianças são construídas e manifestações são articuladas online. Também se cria contra-informação.
Por exemplo, documentários da web e ensaios fotográficos circulam para denunciar a truculência dos agentes municipais durante as remoções e os abusos de poder de policiais. Apesar de todos os esforços, a maioria dos participantes de eventos organizados por esses atores são grupos e ativistas ativos na sociedade civil. Moradores de favelas que não têm vínculo com redes de movimentos sociais são poucos.
Em junho, as manifestações foram organizadas de forma semelhante.
Grupos da sociedade civil articularam ações contra o aumento das tarifas do transporte público. A Internet foi usada para mobilizar pessoas a se manifestar também contra corrupção. Neste caso, muitas pessoas – principalmente jovens de classe média – decidiram tomar as ruas.
Se as estratégias foram parecidas, por que as manifestações contra os impactos dos mega-eventos nas favelas atraem no máximo apenas algumas centenas de cidadãos já engajados em algum tipo de luta popular?
Eu acredito que as razões se relacionam com desigualdade social.
O Brasil tem um abismo entre ricos e pobres. Isso afeta a mobilização. Os protestos de junho foram mais atraentes para jovens de famílias com maior renda. As causas anti-corrupção que circularam online e passaram no rádio e na TV motivaram uma multidão de jovens novatos a tomar as ruas por todo o Brasil. Esse tipo de engajamento desta mesma juventude pela causa dos pobres não é comum.
Para grupos da sociedade civil que lutam contra violações de direitos humanos nas favelas, a mobilização de moradores é de fato um grande desafio.
Por exemplo, brasileiros de baixa-renda têm cargas horárias muito longas. Assim, sobra pouco tempo ou interesse em participar de manifestações políticas. Tem o medo de perder empregos. Nas favelas, as pessoas também têm medo das reações policiais quando a poeira dos protestos baixar. Finalmente, há uma desconfiança generalizada em transformações tanto na política quanto na sociedade.
Assim, a situação no Brasil é muito mais complexa do que a metáfora do gigante deixa a entender. Alguns ativistas de favelas dizem que enquanto muitos acordaram para ir às ruas em Junho, outros como eles mesmos nunca dormiram de fato. Porém, eu acredito que sem o pobre o gigante não vai levantar completamente.
Vai chegar o dia em que o pobre vai se manifestar em massa? Quando vai ser? Num dá para prever. Mas considerando como brasileiros estão começando a perceber que ações civis e protestos podem fazer alguma diferença, pode ser que não demore tanto tempo assim.
Foto: Bruno Thethe/Unsplash.