No último sábado, participei do encontro “Para quem e para que servem as pesquisas acadêmicas realizadas nas favelas?“, no Colégio Estadual Clóvis Monteiro, na favela de Manguinhos, Zona Norte do Rio.
De lá, voltei para Magé aliviado, satisfeito e revigorado pra continuar na luta pela construção de ambiente acadêmico mais inclusivo e por uma pesquisa em ciências sociais com mais diversidade e maiores níveis de participação popular.
Desde que comecei a minha pesquisa em 2009, eu tenho ouvido moradoras(es) e militantes de favelas reclamarem de nós universitárias(os) que fazemos pesquisas sobre favelas.
Nesses anos todos e nas diversas favelas pelas quais eu circulo, as denúncias que ecoam são as mesmas em essência: moradoras(es) de favelas raramente são informadas(os) ou se beneficiam dos resultados de pesquisas realizadas nos ambientes onde moram.
Nesse mesmo período, muito por causa das demandas das(os) faveladas(os), venho pensando em maneiras mais transparentes, respeitosas e socialmente relevantes de fazer pesquisa.
Foi essa vontade de fazer pesquisa de forma diferente que me levou a escrever o livro “Midiativismo de favela: reflexões sobre o processo de pesquisa“, por exemplo.
O problema é que questionar o elitismo e a tradicional arrogância acadêmica – como se fosse algo sagrado, inatingível e inquestionável pelos “reles mortais” fora da universidade – é uma tarefa em muitos casos árdua e solitária.
Aos poucos, felizmente, pesquisadoras(es) críticas(os) à exclusão acadêmica têm juntado forças para fazer da pesquisa universitária algo mais diversificado e inclusivo.
Nos últimos anos, participei de conferências acadêmicas onde pesquisadoras(es) de partes diferentes do mundo relatavam experiências de pesquisas com participação de pessoas pobres, marginalizadas, criminalizadas e excluídas de debates públicos.
Em diversos casos que conheci, as pessoas não-acadêmicas participavam na coleta de materiais para análise ou eram convidadas a participar de eventos para a disseminação de resultados da pesquisa.
Esse tipo de experiência é sempre revigorante porque dá uma sensação de que nossa luta é legítima e compartilhada em cantos diferentes do mundo.
O problema é que na maioria dos casos pessoas fora da universidade não participam nos processos de elaboração, avaliação e desenvolvimento das pesquisas. Como se elas não tivessem o conhecimento suficiente para isso mesmo que a pesquisa seja sobre suas experiências e vivências.
Foi para pensar esse tipo de limitação e experiências transformadoras de pesquisa que nos reunimos na Favela de Manguinhos no último sábado.
Éramos pesquisadoras(es), estudantes, moradoras(es) e militantes de movimentos populares reunidos num dia nublado não só para discutir as características excludentes do ambiente acadêmico, mas principalmente para pensar e elaborar novas formas de fazer pesquisa na universidade.
E a conversa foi muito produtiva.
Na roda, tinham pessoas que já desenvolvem metodologias de pesquisa que, por exemplo, colocam moradoras(es) de favelas como conselheiras(os) que revisam e avaliam projetos de pesquisa durante sua execução (e não depois de pronta e publicada em academiquês).
Ou seja, a(o) morador(a) de favela deixa de ser “objeto” e passa a ser avaliador(a) de trabalhos acadêmicos. Parece pouco, mas é uma importante mudança nas relações de poder entre pesquisador(a) e pesquisada(o).
Também falamos sobre como negras(os) e faveladas(os) vivem uma reprodução da marginalidade e da exclusão do cotidiano dentro da universidade. Apesar do número de estudantes da periferia ter aumentado, ironicamente as universidades públicas continuam refletindo os hábitos e os anseios das classes média e alta brasileiras.
Mas, para mim, acima de todos os assuntos relevantes e urgentes que discutimos, participar do encontro em Manguinhos serviram para aumentar ainda mais o senso de coletividade entre pesquisadores, estudantes e moradores interessados em transformar a universidade.
Ao demandar e agir juntos – mesmo que em projetos, iniciativas e instituições diferentes – pela mudança por dentro e para fora do sistema acadêmico, acabamos conseguindo construir um senso de luta coletiva para transformar uma instituição.
E esse senso coletivo está sendo um alívio para mim.
Como brasileiro pesquisando e fazendo carreira acadêmica em terras gringas, ver que a transformação da universidade é uma pauta tão forte na favela satisfaz por me mostrar que estou seguindo um bom caminho.
Estar em eventos como o encontro “Para quem e para que servem as pesquisas acadêmicas realizadas nas favelas?” também anima por me mostrar que não estamos sozinhos ao tentar fazer da pesquisa uma plataforma participativa de fato e um instrumento político para transformação e justiça social.
Se tiver interesse, outro encontro acontecerá no dia 17 de Dezembro, também no Colégio Estadual Clóvis Monteiro, em Manguinhos. Visite a página do evento no Facebook (clique no link no parágrafo anterior) para acompanhar e participar das discussões.
Me chamo Leonardo Custódio. Sou doutor em ciências sociais pela Universidade de Tampere, na Finlândia. Para saber mais sobre o porquê deste blog se chamar “Anotações de um estrangeiro local”, clique aqui.