Pesquisar, aprender e agir: o que eu faço e pra que serve

(Postado originalmente como nota no Facebook em 15 de Marco de 2014)

Uma das perguntas que mais ouço de pessoas amigas na Finlândia, no Brasil, em Magé e no Facebook é: “o que você faz na Finlândia?” Eu sempre respondo “faço doutorado e pesquisa”. Só que de um tempo pra cá, eu percebi que essa resposta é vaga. Sinto que quando as pessoas dizem: “Ahnnn, entendi…”, elas querem dizer: “que pesquisa?”, “pra que serve?”, “do que exatamente tu tá falando?”

Esse texto é para minha família e meus amigos que se interessam e tem curiosidade de saber o que eu faço.  Que querem saber meus motivos e objetivos pra fazer pesquisa.  Também é para as pessoas que eu tenho conhecido nesse processo do doutorado. Pessoas com quem tenho conversado, entrevistado, acompanhado e principalmente admirado pelo que fazem.

Pra mim, o doutorado é uma etapa na trajetória de conhecer mais sobre o que pessoas fazem para causar mudança na sociedade. Meu trabalho é refletir sobre o que elas fazem e contribuir de algum modo para estas ações. Meu sonho é desenvolver minhas próprias ações e também ajudar a mudar a sociedade.

Se tu me conhece dos tempos antes da universidade, você sabe que eu sou chato sobre várias paradas que considero injustas na sociedade há bastante tempo.  Só que sempre falei muito mais do que agi.

Na universidade – no jornalismo feito na Estácio-Niterói e na comunicação/ciências sociais na Finlândia – eu venho descobrindo aos poucos maneiras de juntar pensamento crítico com possibilidades concretas de ação.

E aí entra a favela.

Ao contrário do que muit@s amig@s pensam, eu não estudo favela. Eu sei como as favelas surgiram, sei dos problemas que os moradores enfrentam no dia-a-dia e sei das alegrias que eles vivem também.  Mas meu interesse não é estudar essas coisas (apesar de falar delas o tempo todo…rs).

O que eu quero aprender é como algumas pessoas que moram em favelas – com todos seus problemas e limitações – conseguem agir para causar mudança social e gerar pensamento crítico dentro e fora da favela.

Eu acho que esse objetivo em si já é uma ação, mesmo que pequena.  Através do meu estudo ou dos updates, muit@s amig@s (no Brasil e fora) vão ouvir sobre favela sem relacionar com criminalidade ou pobreza.

Mas eu quero mais: eu quero aprender o que el@s fazem, trocar ideias com el@s, refletir sobre as ações e criar maneiras para eu agir também.

Basicamente eu cansei de reclamar que brasileiros não fazem nada pra mudar. Então tento aprender com brasileiros que fazem pra fazer também (seja na Finlândia, no Rio, em Magé ou em qualquer lugar).

Mas por que eu tô procurando nas favelas?  Porque o cotidiano da favela é muito parecido com o que eu vivia em Magé. Desde pequeno com a família ensinando o valor do trabalho e das companhias.  O convívio tranquilo ou turbulento com gente que escolheu o caminho errado.

O sacrifício da mãe e do pai ou dos avós ou de quem quer que seja pra garantir um padrão de vida diferenciado.  O trabalho precoce pra ajudar em casa ou pra desafogar os pais. O “risco” de ter filhos muito cedo.  O perrengue de perder a maior parte do dia indo e vindo do trabalho ou dos estudos. Os preconceitos velados ou descarados nessas idas e vindas.

O lazer resumido ao bar ou ao churrasco no quintal ou ao campinho de terra batida porque pra ir ao teatro, ao cinema, ao shopping e ao Maracanã custa caro e demanda o tempo e o dinheiro que nem sempre se tem.

Quer dizer: pessoas que tiveram uma vida em diversos aspectos parecida ou até bem mais difícil que a minha e que hoje agem como eu sempre quis agir, mas nunca soube como.

Quando muitas pessoas estudam ou noticiam a favela, elas querem mostrar o “exótico” ou a criminalidade (como se criminalidade fosse característica da favela). Eu vou em busca de conhecimento e inspiração.

O que essas pessoas que me inspiram fazem? Um monte de coisa relacionada à mídia e comunicação.  Umas são jornalistas em jornais e rádios comunitárias. Isso quer dizer que elas criam informações que interessem, auxiliem e não criminalizem os moradores.

Outras são fotógrafas que criam imagens e filmes que valorizam a favela e que denunciam vários tipos de problemas e abusos que acontecem onde a maioria das pessoas não vê.

Outras ensinam como a mídia e a imprensa funciona também como usar rádio, jornal e/ou Internet para moradores entenderem como a mídia funciona e que possam contar suas próprias histórias.

Tem muito mais gente que faz muito mais coisas também.  E nesse processo, eu acho que posso agir como pesquisador/universitário. Como?

Trocando ideias, participando de debates, participando de ações e compartilhando o conhecimento teórico que eu tenho. Parece pouco pra muita gente (afinal, é minúsculo e num dá dinheiro…rs). Mas me anima muito.

Ao fazer pesquisa, eu busco dois sonhos difíceis, mas não impossíveis.

Um é ser um universitário diferente. A universidade ainda é formada na maioria por pessoas que vivem um cotidiano bem diferente da favela ou da periferia. Eu quero ajudar a popularizar o conhecimento acadêmico. Eu quero ajudar a convencer mais pessoas de periferias por aí pelo mundo a se convencer de que acadêmico também pode agir pra mudar a sociedade.

E esse é o outro sonho: usar o que aprendi pra que as coisas mudem. Trocar ideias e criar maneiras de sensibilizar pessoas de que mudar a sociedade é possível.  Seja dando aula, seja dando palestras, seja criando atividades de educação sobre mídia em escolas públicas, seja … seja o que quisermos fazer na busca do objetivo de mudar as coisas.

Afinal, a sociedade somos nós. E nós podemos usar o que sabemos pra muda-la.  Por isso faço pesquisa.  Pesquisa que sirva para conhecer ações, aprender maneiras e agir para mudar (mesmo que microscopicamente) a sociedade que vivemos.

Agora que já sabem, alguém pode contar pra minha mãe e pro meu pai? 🙂