(Publicado como atualizacão de status no Facebook em 28/02/2014)
Fui ver “12 Anos de Escravidão” ontem e saí boladão do cinema. Chorei de raiva. Fechei os olhos pra não ver certas brutalidades. Mas a qualidade da produção, a lembrança borrada da infância e a metáfora do cotidiano me fizeram achar o filme uma obra-prima.
Lembrei da bisavó. Eu era moleque quando a vi pela 1a e única vez na sua casa de pau a pique quando ela fez 100 anos. Tinha marcas nos braços. Cresci pensando: “terá sido chicotada mesmo tendo nascido livre?”
Depois do filme, não consegui evitar outras perguntas. Quantas vezes ela deve ter sido estuprada? Quantos irmãos ou filhos ela perdeu pra venda de escravos? Quantas vezes foi acorrentada e chicoteada até que sua pele se soltasse do corpo e o sangue escorresse por sua espinha?
Então comecei a pensar que talvez seja melhor achar que eu me enganei. Que as marcas eram de cortar mato. Que ela nunca foi escrava. Mas de que adianta me convencer que ela não sofreu?
Preto no Brasil, assim como nos EUA, num tem outra raiz a não ser a tragédia escravocrata. Alguém da minha família se fudeu muito antes que a liberdade fosse conquistada. O filme mostra o sofrimento muito melhor do que a gente aprendeu na escola sobre o que a escravidão representou.
Além disso, o filme é uma ótima metáfora pra hoje. Um soco no estômago de quem acha que direitos humanos não servem pra nada. Veja o filme e saiba como é viver sem direitos antes de sair por aí dizendo que é coisa pra defender bandido.
Tirando o fato da escravidão ter acabado (apesar da exploração continuar), o filme mostra cenas e histórias que eu tenho ouvido muito desde que comecei a conversar com pessoas de favela.
A violência sofrida nas mãos de autoridades, o medo de morrer travestido em descaso ou conivência com quem oprime, tudo isso tá no filme e no cotidiano de muita gente no Brasil.
O filme dói. Machuca e sangra. Mas precisa ser visto. Por negros para que se lembrem da história sangrenta que nos antecedeu. Por todos que não tem a capacidade de criar empatia com pessoas criminalizadas, violentadas e mortas no dia-a-dia.
Foi só depois do que passou como escravo que o autor do livro (que gerou o filme) virou um ativista na causa abolicionista americana. Talvez o filme seja o que vá fazer tantos outros pelo menos deixarem de ignorar o passado e o presente da população oprimida do Brasil.
Super-recomendo. Mas prepare-se pra chorar litros e se revoltar com a maneira que as coisas eram e ainda são.