Acampa do Levante: a experiência que toda(o) jovem deveria ter

O terceiro acampamento do Levante Nacional da Juventude – que rolou em Belo Horizonte do dia 5 ao dia 9 de Setembro – foi uma das coisas mais marcantes que já presenciei na vida.

O tempo todo eu fiquei pensando em como teria sido fantástico ter de novo quase vinte anos e estar ali no Ginásio do Mineirinho entre os 7 mil jovens do Brasil todo curtindo, cantando, dançando e aprendendo junto sobre respeito, solidariedade, humanidade e luta por uma sociedade mais igualitária.

A pesquisa me levou ao Mineirinho. Fui lá para saber mais sobre as iniciativas e estratégias de comunicação do movimento de juventude que provavelmente mais cresce por todo o Brasil. É um movimento de esquerda que se desenvolve a partir de células locais espalhadas por todos os estados do país.

Toda essa regionalidade ficou muito evidente ao andar por dentro e por fora do ginásio. Eram muitos os sotaques gritando palavras de ordem como “Fora Temer”, “Constituinte já” e “Nossa rebeldia é povo no poder, povo no poder, povo no poder.”

Outra coisa de arrepiar também era a diversidade. Foi maravilhoso ver tantas(os) negras(os), tanta gente do campo e da periferia, tantas(os) filhas(os) da classe média urbana e tantos – muuuuitas(os) tantas(os) – da comunidade LGBT juntas(os) cantando, batucando e dançando ao som de paródias politizadas de músicas e estilos do país todo.

Olhando aquilo tudo, fiquei imaginando como seria para aquele eu-complexado da década de 1990 estar ali.

Estar ali com pessoas sem vergonha e com muito orgulho da negritude, sem medo de expor sua sexualidade e sua identidade de gênero. Se já era fantástico estar com outras(os) jovens em retiros de carnaval das igrejas protestantes como eu ia, imaginei como seria estar ali livre para ser e conviver com tantas diferenças.

Infelizmente, as matérias que saíram nas empresas corporatistas de comunicação não fizeram jus à toda a diversidade e riqueza da experiência daquelas(es) jovens. A presença do ex-Presidente Lula – por quem muitos pareciam nutrir grande gratidão apesar de algumas críticas às alianças do seu governo – e de outros políticos ganhou destaque. Algumas matérias deram a entender que todos aquelas(es) jovens ali eram massa de manobra do PT.

Pensar isso é ignorar completamente o que o acampamento de fato foi. A mensagem que o acampamento do Levante me passou é que dialogar com partidos de esquerda não faz delas(es) seguidoras(es) cegas(os) dos políticos.

Em algumas rodas de conversa que presenciei, ouvi várias críticas fortes ao governo do PT, sobretudo por não criar medidas práticas para diminuir o poder das grandes empresas de comunicação e aumentar a pluraridade nas concessões de rádio e TV.

Também ouvi jovens críticas(os) à liderança do MST, movimento irmão do Levante. Em certo momento, um jovem quis tirar foto com João Pedro Stédile, da direção nacional do MST. Nisso, um grupo passou e disse: “eu que não vou tirar foto com ele. Vê se pode? Ele que tem que tirar foto com a gente!”

Quem olha de fora não percebe essas pequenas rebeldias e não se dá conta do quanto elas definem a diversidade política do movimento (apesar de ideologicamente se colocarem à esquerda).

E foi essa diversidade que me deixou encantando. E a organização. Imagina um ginásio enorme lotado por cinco dias de jovens de classes sociais, gêneros, identidades, regiões e momentos individuais de politização diferentes? Aquele acampamento teria um potencial enorme pra dar um número infinito de merdas e conflitos internos.

Mas não. O local estava razoavelmente limpo o tempo todo. A comida estava bem-servida e tinha água potável disponível por todos os lados. Os acampamentos estavam muito bem organizados assim como os locais de plenárias. E sabem quem eram responsáveis por tudo? Elas(es) mesmas(os): as(os) sete mil jovens ali dentro. Foi impressionante.

Elas(es) também resolviam no diálogo alguns problemas inevitáveis com tantos jovens diferentes compartilhando o mesmo lugar. Cartazes davam papos retos para aqueles que ainda não entendiam o espírito do acampamento. “Não é não!”, “Respeita as minas, as monas e as drags!”, “Nós mesmos limpamos o banheiro: mire bem”, entre outros assuntos que indicavam resoluções de conflitos.

Obviamente nem todas(os) no Mineirinho estavam ali pela política como nem todas(os) no meu tempo iam pro retiro da igreja pela mensagem bíblica. Tantas(os) foram para viajar com amigas(os), outras(os) para flertes e experimentações de algo que nunca viveriam nos seus cotidianos.

Não existe isso de lavagem cerebral esquerdista-socialista, como muitos podem imaginar ou sugerir (Se fosse assim, eu seria crente hoje). Pra mim, o acampamento pareceu acima de tudo uma oportunidade única de socialização.

Quem se identificar, vai se mobilizar e seguir na luta política através das batucadas, atos e escrachos de símbolos daquilo contra os quais se engajam. Todas as pessoas com as quais conversei se consideram hoje militantes no Levante porque o movimento deu a eles respostas e ações coletivas pra angústias e problemas que eles já haviam identificado nas próprias vidas.

Da mesma forma, quem não se identificar ou se interessar, não vai seguir no movimento.

Mas achei muito bom ver tantas(os) jovens de tantas origens e vidas diferentes reunidos em torno de ideais como solidariedade, igualdade, respeito ao próximo e à diversidade, crescimento através do estudo, compartilhamento, diálogo e vivência. No momento agressivo e reacionário que vivemos no mundo todo, foi bom estar ali vendo sorrisos, danças, abraços e beijos. Foi bom ouvir canções contra preconceitos e por políticas que levem à uma sociedade menos desigual.

Foi bom estar ali e ver que tantas(os) milhares de jovens vivenciaram essa experiência de utopia (algo que considero bom) e politização (algo mais realista que considero ainda melhor). Que essas(es) jovens levem o que viveram ali pro cotidiano e façam de suas próprias vidas instrumentos de luta por uma sociedade mais igual e respeitosa.

Eu gostaria de ter vivido isso quando era mais jovem, mas não pense nisso como inveja. Me fica mesmo a alegria de saber que esse tipo de iniciativa existe e que é acessível para pessoas de todas as classes sociais. Não tenho filhas(os), mas se as(os) tivesse, com certeza não pensaria duas vezes em motivá-las(os) a participar do acampamento do Levante Popular da Juventude.

Todas(os) as(os) jovens deveriam ter essa experiência única e com certeza inesquecível.

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Me chamo Leonardo Custódio. Sou de Magé, na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro. Hoje, vivo em Helsinki, na Finlândia. Em junho de 2016, terminei meu doutorado sobre midiativismo de favela. Para conhecer esse trabalho e sobre como pesquisa acadêmica pode ser um instrumento de auto-descoberta e ação política, leia meu livrinho “Midiativismo de favela: Reflexões sobre o processo de pesquisa”. É grátis. Clique aqui para baixa-lo em PDF.